A carrinha chegava ao meio da tarde. Subia a rua inclinada na direcção da Guarita. Ali, abria as portas ao mundo dos livros para a aldeia. A entrada naquele mundo novo dos livros era feita pela porta traseira. Lá dentro estava um homem com umas botas diferentes. Tinha um salto numa das botas e na outra não. Aquelas botas marcavam uma cadência dentro daquele mundo. Tudo era diferente, até este homem parecia ter saído desse mundo misterioso dos livros. Havia outra personagem, este era rude, alto, demasiado alto. Costumava alertar num tom de voz severo para o cuidado a ter no manuseio dos livros. Era frequente aparecerem livros manchados com nodoas de azeite, rasgados, riscados, etc. Pois o universo dos livros conviviam com alguma proximidade com o universo das tarefas domésticas. Na maioria dos casos em casas de pessoas analfabetas. Aqui, o livro servia para tudo menos para ser lido. Era o fascinio das gravuras, das letras gordas, das cores de mundos tão distantes que aquela "carrinha dos livros" trazia à monotonia da aldeia. A entrega dos livros era sempre um momento delicado, aquela voz severa, ecoava do mais alto para repreender alguma desatenção com o livro. Enfim, restam as memórias destes livros que não eram livros, destes mundos que não eram mundos, mas que a aldeia gosta de recordar.