terça-feira, novembro 27, 2007


Rosmaninhal, 2007


A aldeia do Rosmaninhal encerra um conjunto de práticas ligadas ao pastoreio de capital interesse. Trata-se de um território vincado pelas agruras climáticas mediterrânicas. Com frequência se encontram burros, éguas, machos, cavalos nas imensas propriedades, outrora douradas pelas searas de trigo. Por aqui, diz o povo, que até as pedras davam trigo. Hoje, tudo se alterou, ficaram as impressionantes marcas numa paisagem intensa e monótona. Porém, muitas das ancestrais práticas continuam a pautar os dias claros e límpidos desta remota aldeia. É o caso do tradicional pastoreio de percurso, geralmente feito a pé, mas que muitos não dispensam a preciosa ajuda do burro. Associado a esta prática tradicional de pastoreio um saber especializado foi-se desenvolvendo, apurando, decifrando. Quem nunca ouviu um "brado" de um pastor, um assobio fino e melódico, um palavrão direccionado, uma certeira pedrada, um baloiçar de cajado? Alguns desses chamamentos passaram de geração em geração, são formas arcaicas de uma linguagem entre o homem e o animal. Alfabetos esquecidos que a UNESCO considera uma urgência preservar. É precisamente isso que estamos a fazer!

segunda-feira, novembro 26, 2007

PASTOREIO NOMADA




A cultura do pastoreio nómada reclama perante este mundo cada vez mais globalizado que a sua ancestral arte não seja vista como algo folclorico, mas sim como uma cultura milenar produtora de alimentos de qualidade, obtidos com a gestão mais adequada do meio ambiente.

OBJECTOS ESQUECIDOS



Arca forrada com pele de bovino com uma fechadura ornamental em ferro forjado, Quintã, 2006)

Digo objectos esquecidos, porque todos nós temos em casa objectos que por algum motivo perderam a sua funcionalidade, deixaram de servir, ter utilidade, passaram pois à categoria de objecto-memória, estão fora do tempo, encontram-se numa espécie de limbo temporal. É o caso desta arca religiosamente guardada numa velha casa. Apenas serve para guardar algumas colchas bordadas e algumas mantas de lã, também elas fora de uso. Porém, são objectos de memória, marcam um tempo, uma vivência, uma encruzilhada de destinos. Entre esta trama de sentidos situa-se a instituição museu.

domingo, novembro 25, 2007

MEMORIA E TESTEMUNHOS ORAIS


Seminário Internacional

Memória & Testemunhos Orais


Lisboa, 22 e 23 de Novembro de 2007

Fundação Mário Soares
Instituto de História Contemporânea/FCSH/UNL

(Guardar programa em PDF)

5.ª feira, 22 de Novembro de 2007

09.30 Recepção dos Participantes

10.00 Abertura do Seminário

Alfredo Caldeira (FMS
Fernanda Rollo (IHC)
10.15 Utilizações da História Oral

Luísa Tiago de Oliveira (ISCTE)
11.00 A História Oral e os Movimentos Sociais

Paula Godinho (UNL)
11.45 Debate

13.00 Intervalo para almoço

14.30 História Oral – Metodologias

Dulce Freire (IHC)
Inês Fonseca (CNRS)
15.30 Debate

16.00 Intervalo café

16.15 Testemunhos Orais, Memória e História

Paula Borges Santos (IHC)
16.45 Debate

17.00 Constituição de acervos de História Oral: entre actividade científica e prática arquivística

Luciana Quillet Heymann (CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, Brasil)
18.00 Debate

21.00 Média & Memória Histórica
Imagens e Sons apresentados pelos Autores

Geração de 60 de Diana Andringa
Alentejo - Réstea de Esperança de Jacinto Godinho
Crónica do Século/O Século das Mulheres de Maria Augusta Seixas
Timor - A última bala é a minha vitória de Manuel Acácio
6.ª feira, 23 de Novembro de 2007

10.00 Arquivo da Memória e História do Século XX

Armando Malheiro da Silva (CEIS 20)
10.45 Intervalo café

11.00 Projecto de Arquivo de Testemunhos Orais

António Coelho e Hugo Guerreiro (FMS)
11.45 Debate

13.00 Intervalo para almoço

14.30 Arquivos Sonoros: o caso da Radiodifusão Portuguesa

Eduardo Leite (RDP)
15.15 Jornalismo e memória histórica

Mesa-redonda coma participação de João Coelho (rádio), Eduardo Dâmaso (imprensa escrita) e Jacinto Godinho (televisão)
16.00 Debate

16.45 Intervalo café

17.00 Direitos de Autor e Propriedade Intelectual na União Europeia

José Antonio Suárez (Espanha)
17.30 Produção de conteúdos multimédia e direitos de autor

Manuel Pedroso Lima
18.00 Debate

18.30 Encerramento




Apenas faço referência a este importante evento que decorreu na Fundação Mário Soares, pela sua extrema importância no panorama actual das ciências sociais. Estive presente e registei um conjunto de iniciativas inovadoras em torno da constituição, preservação, valorização dos testumunhos orais. Apreciei o fértil diálogo entre a antropologia e a história.

domingo, novembro 18, 2007

A TODOS OS PASTORES



A vida de pastor, ao contrário do mais idílico que possa parecer, é uma vida dura, muito dura mesmo, repleta de muitas preocupações, principalmente na altura das parições. Altura em que o pastor mal têm tempo para repousar durante a noite, tal é a procupação em assistir os frágeis borregos acabados de nascer. É necessário "afilhar" os borregos, ou seja, coloca-los a mamar na respectiva teta da mãe. Contudo, o pastor guarda momentos de carinho mágicos para com estes pequenos animais, só ele sabe quem é quem, só ele decifra esta imensa beleza, só ele é capaz de verter lágrimas pelos seus queridos animais...

terça-feira, novembro 13, 2007

AOS PASTORES TRANSUMANTES...


Entrevista ao Ti Zé Lourenço, 2005.

Pastores transumantes, Ti Zé Camilo e Ti Zé Lourenço, 2005.

Estamos no mês de Novembro e era precisamente durante este mês que os rebanhos da Serra da Estrela iniciavam a sua lenta e melodiosa marcha até aos verdejantes campos do concelho de Idanha-a-Nova. A este tão remoto e ancestral movimento pastoril, intitula-se de TRANSUMÂNCIA, etimologicamente significa: TRANS - "além de" e HUMUS - "terra", ou seja, "ir além da terra". Por outras palavras resume-se a uma deslocação periodica de gados entre dois regimes determinados de clima diferente. Um identificado como invernal e descendente, quando, face à escassez de pastos causada pelas neves das terras altas, os rebanhos desciam para os pastos das regiões mais amenas. O outro, estival ou ascendente, caracterizado pela deslocação de rebanhos para as terras altas. O grande mestre Orlando Ribeiro descreve do seguinte modo uma Invernada dos serranos para os campos da Idanha:

"(...) É pelos Santos que o grosso dos rebanhos deixa a Serra. Dantes um maioral tomava entrega dos gados de toda a povoação; quando voltava faziam-se as contas dos gastos e repartia-se a quantia proporcionalmente ao gado que cada um tinha mandado. Hoje uma só aldeia pode mandar vários rebanhos, que raro atingem mais de 1500 cabeças. O lugar de invernada para os gados do Sabugueiro e, de um modo geral, para os da zona mais elevada da Serra, é nas Campanhas da Idanha. O itenerário do Sabugueiro até lá, a via pecuária mais importante da região, passa através da Serra, quando o tempo o permite (em direcção a Cântaro e à Nave de Santo António), ou contornando-a por Valezim, Loriga, Alvoco, Unhais até ao Tortozendo. Atravessam a fértil Cova da Beira e, pelo Fundão, galgam a cumeada da Gardunha. Por Alpedrinha, Vale dos Prazeres, ainda encostados à montanha, entram no Campo, e por Orca, S. Miguel de Acha e Oledo ganham Idanha-a-Nova. Alguns pastores ficaram pelo caminho, arrendando pastos para os gados onde lhes pareceu que os havia abundantes."

Relativamente à composição, práticas e quotidiano deste impressionante "exército", Ferreira de Castro no seu romance A lã e a neve, descreve de uma forma notável e impressionante, esta ancestral prática:

"(...) Era a época em que, anualmente, se iniciava a transumância, levando-se o gado para longínquas campinas, onde a invernia se fizesse sentir menos. O primeiro rebanho a abalar, para a viagem de cinco, seis dias, que tanto exigia a caminhada dali até à Idanha, fora o do Canholas, com ovelhas de mais quatro pastores. Outros partiram depois (...) eram quase trezentas ovelhas, brancas e negras, mosaico que cobria toda a largueza da estrada, a caminho da terra baixa. À frente e aos lados, mantinham guarda o "Lanzudo" e outros cães, menos o "Piloto", que fora considerado débil para a longa jornada. Atrás marchavam Horácio, o Tónio, o Aniceto, o Libânio, o filho do tio Jerónimo, e um burro por cada homem. Os onagros transportavam bardos e ferradas; e os seus alforges, com alimentos no fundo, guardavam espaço para recolha de cordeiros que dessem em nascer, como sempre acontecia, durante o trânsito. As ovelhas ora marchavam lestas e muito juntas no seu passo curto, se os gritos ou pedradas a isso impeliam; ora abriam clareiras no rebanho e cortavam à esquerda e à direita, à cata do pasto vizinho da estrada. Às vezes, os seus focinhos orientavam-se para a folhagem que tinha dono sempre pronto a barafustar contra as ladras; e, por mor dessas queixas e até de multas policiais, outras pedras e outros berros caíam sobre as famintas, que retomavam o caminho, na esperança de serem, além, mais felizes. (...) Finalmente, ao sétimo dia, vencida a estrada imensa, cruzando vales, grimpando serras, os condutores do rebanho transumante, todos sujos, cara negra de barba, corpos esgotados pela andança, viram, ao longe, as campinas da Idanha, seu último objectivo."

Era, de facto, um impressionante espectáculo! Hoje, restam as poucas ou nenhumas memórias desta árdua caminhada. Ainda assim, foi possivel encontrar alguns testemunhos vivos, deixo-vos uma memória viva, o PastorTransumante, José Lourenço :

"Tinha 30 anos quando começei a ir com o gado para a Idanha. Em primeiro iam umas 150 ou 200, depois iam as outras mais tarde. As mais borreguinhas iam primeiro e mais tarde ia o vazio. Eram as borreguinhas que tinhamos criado no ano anterior, os carneiros e assim; a gente chamava o "alfeire" ao vazio. Os pastores que iam eram conforme o gado, às vezes iamos 4, outras 5; um burrinho para levar a merenda, pão, toucinho, que era para todo o inverno. Quando chegavamos lá tratavamos da mulher para comprar a farinha para o pão e depois a gente ia lá a buscar. O caminho era quase sempre pelo Vale Formoso. Depois iamos para a Capinha, daqui iamos para o Pedrogão, depois daqui a gente passava para lá. A gente não tinha sítio certo, a primeira noite, dormiamos quase sempre nas Murteiras Redondas, era logo ali ao cimo da Idanha. Depois iamos para o sítio que tinhamos comprado, era ali na Vigia, no Lemite e no Vale de Couto ali por baixo da Sª da Graça. A gente dormia em qualquer lado enrolado na capa. Também íamos para a Barragem, íamos pela quelha. Eu sem gado cheguei a ir para cima, numa noite estava no Oledo, vim a dormir à Orca, depois Fundão até Manteigas. Num inverno fui lá três vezes à Idanha, três vezes para baixo sem gado, num dia ia para cima. O Manel Moita era meu amigo, eu estava na Vigia e ele no Cabeço das Canas. Arrendava-se a três meses. Quando a gente ia lá a arrendar era em Agosto, íamos ao Campo a comprar a pastagem. As contas eram feitas à cabeça, cada um pagava um tanto por cabeça. Tive lá anos de 40 contos em despesa, tudo incluido. Ao fim entrava tudo em conta."

(Extracto do Diário de campo nº5, Julho de 5)

- Pastor transumante, José Lourenço, 92 anos, Manteigas)

Bibliografia

Castro, Ferreira (1990). A lã e a neve. Guimarães editores, Lisboa.

Ribeiro, Orlando (1995). Opúsculos geográficos. Estudos regionais, Fundação C. Gulbenkian, Lisboa.

domingo, novembro 11, 2007

A oliveira: um simbolo do mediterraneo





Por esta altura os campos tornam a receber algum frenesim de outrora, é o tempo da apanha da azeitona, esse fruto precioso de onde se extrai à muitos séculos o denominado ouro do mediterrâneo. As mais remotas técnicas de extracção conhecem-se na bacia do Mediterrâneo desde a IV dinastia egípcia. Em Portugal, surge em conjugação com outras culturas, nas proximidades das povoações. Na região da Beira Baixa a plantação de oliveiras teve um crescente impulso nos finais do século XIX, alterando em parte, a fisionomia da paisagem outrora preenchida quase exclusivamente por sobreiros e azinheiras. Hoje, estas paisagens tornaram-se simbolos identitários de muitos territórios e das suas gentes, que heroicamente souberam modificar muitas encostas de montanhas sem interferir com o entorno natural. Quem ainda não admirou extasiado a paisagem cascalhenta dos terraços do tejo que acompanha a linha da Beira Baixa, a partir de Belver até Vila Velha de Rodão? Seria importantíssimo o estudo, valorização e preservação desta memória colectiva associada a esta paisagem. Relativamente às técnicas artesanais de extracção de azeite, no concelho de Idanha-a-Nova, em particular nas aldeias de Proença-a-Velha e Idanha-a-Velha, existem excelentes exemplares musealizados. Para saber mais sobre estas arcaicas tecnologias, encaminho-vos para uma leitura urgente e de excelência, a obra de Benjamim Pereira,Tecnologia tradicional do azeite em Portugal, editada pela Câmara Municipal de Idanha-a-Nova.

quarta-feira, novembro 07, 2007

Ti DOMINGOS: O PASTOR FILOSOFO


Ti Domingos "Menoucho", pastor, Penha Garcia (Falecido)

Há muito tempo que na minha cabeça pairava a ideia de fazer aqui, neste lugar virtual, uma sentida homenagem a alguns pastores com quem passei horas extraordinárias de aprendizagem e que, entretanto, já partiram deste efemero mundo.
Conheci o Ti Domingos numa tarde clara de Abril, passava na estrada e vi o seu rebanho de cabras a pastar ali próximo. Parei o carro e dirigi-me a uma pessoa que estava solenemente apoiada no seu cajado, depois de me apresentar e de lhe pôr ao corrente do meu árduo labor, consentiu de imediato a minha presença e o rol das infinitas perguntas que sempre trago nos meus pequenos cadernos pretos. Enquanto as perguntas e as respostas fluiam, as suas cabras pastavam calmamente a fresca erva que a serra oferecia. Falou do mundo, da morte, das guerras, da sua querida Penha Garcia, das filhas, das cidades, das suas cabras e dos dificieis partos que já tinha assistido, das doenças das cabras que tinha milagrosamente curado, das mulheres, do seu queijinho que fazia todos os dias com a maior das dedicações. Recordo com saudade uma terna conversa:

"Comecei esta vida de pastor aos 6 anos ao pé do mê pai. Dantes o mê pai era munto recto para nós, pois coitadinho, ele não tinha nada para nos dar a comer e pedia-nos a morte, tinha vontade que morrêssemos, quer dizer, cobiçava a vida dessas pessoas que não tinham filhos. Não tinham filhos, não tinham despesas! era o atraso. Estamos os seis vivos. Depois aos 8 anos começei a guardar porcos, andava com outros, batiam-me munto. O mê pai era cabrero , aprendi com ele. Nessa altura começei a guardar porcos na Espanha, logo por cima das Termas. O mê pai fez-me na Espanha, poi era cabrero lá. O mê avô estava aqui na parte de cá, a minha mãe foi lá a desovar. A minha avó era partera e ódepoi o mê avô dizia-me assim: tinha lá um cortiço para pôr coisas, como esses das abelhas, mas maior. - Olha tu nasces-te aqui ao pé deste côrtcho. Depois só vim para Portugal tinha 16 anos, começei a andar com uma junta de vacas e a fazer vida de ganhão. ódepoi, já adulto a minha mulher morreu e as filhas já se tinham casado, agarrei-me às cabrinhas. Há 42 anos que aqui estou no Gorralão. As serras da frente são a Pedraninha, a Matafome e a Borrasca, ali mai adiante é Brejos. Antigamente pagava por aqui estar 100 alqueires de trigo. Era a renda anual, era de S. Miguel e S. Miguel.

(Entretanto começa a merendar: pão, chouriço e o seu famoso queijinho de cabra. Tudo cortado à navalha. Estamos sentados atrás de uma velha casa)

A minha vida foi assim, trabalhar munto. Andei no contrabando do café com 30 quilos às costas, ódepoi aborreci-me, começei a andar com as pernas escorralhadas em cima do cavalo. Olhe, podia-me ter matado afogado lá no rio, passavamos lá num sítio, na Espanha, aquilo eram umas fragas, quando era de Inverno aquilo ajuntava ali munta água, nós passavamos num sítio ruim, se caíssemos não havia salvação. Levavamos café para lá. Afogaram-se alguns, mas não eram daqui. Um secalhar até o mataram, os espanhois vinham ao nosso encontro. O café umas vezes era mai caro outras mai barato. É assim a minha vida, agora estou aqui, conheço esta serra toda!"

(Extracto do Diário de Campo nº3, 27 Abril de 2005)