sexta-feira, março 05, 2010

ENCOMENDAÇÃO DAS ALMAS



rosmaninhal, 2009.


com a quaresma que assinala o fim do inverno chega o tempo do ritual da "encomendação das almas". ritual este que pautou o calendário cerimonial dos territórios do interior e norte do país durante séculos. o objectivo e funcionalidade estava, durante este periodo de abstinência, na oração pelas almas do purgatório. trata-se de um ritual nocturno e repleto de códigos e simbolos mágicos: o número sete, o luto, as encruzilhadas, os lugares altos, a campainha, o canto lúgubre, etc. a mensagem alerta para a certeza da morte: "lembra-te de que és pó e em pó te hás-de tornar". contudo, com as profundas transformações do mundo rural, também a operacionalidade deste ritual se modificou. chegando mesmo, em alguns casos, a diluir-se no tempo e no espaço social habitado. vindo, fundamentalmente, na ultima década a revitalizar-se, em inúmeras aldeias e vilas, sob outras orientações e lógicas adscritas. refiro-me aos novos processos de emblematização das tradições e seus consumos que acarretam na maioria dos casos uma excessiva mistificação neo-romântica do passado. deste modo, quando se assiste hoje, 2010, século XXI, a este ritual, temos sempre que o observar à luz do que ele é hoje, no presente e nunca enquanto um "elo" perdido no espaço-tempo mitico desse passado que nunca iremos saber o que é. pois durante as suas práticas, dialoga-se com a realidade social da aldeia, discute-se o presente, tal como o passado e o futuro, reconfiguram-se as práticas, as emoções e os gestos. criticam-se comportamentos e modos de estar. nos cafés as luzes não se apagam, nem tão pouco as televisões com os entusiasmos dos globais jogos de futebol. enfim..., fica a pergunta: o que é a encomendação das almas hoje? que lógicas e motivações estão implicitas nos grupos que executam o ritual? e a população no geral, identifica-se?

quanto a mim, são precisamente estas "encruzilhadas" que devem estruturar a valorização e a respectiva salvaguarda desta prática ritualistica. já agora, para quem nunca presenciou este lúgubre ritual, fica o convite ao "olhar" e ao ouvido...

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