ao equacionarmos a experiência complexa e subjectiva vivêncial nestas remotas terras raianas do interior do país, extensissima Ibéria Antiga e mediterrânea, surge (pelo menos em termos de esperança) essa possibilidade telúrica, de viver em conexão com as temporalidades cíclicas, com esse sentido do colectivo num encadeamento de memória, nos quotidianos e nas festividades. daquilo que um calendário anual projecta e torna matéria de sonho, imaginação, criatividade e espera. o que comemos é espelho de isso mesmo, comidas sazonais, comidas rituais, aspectos particulares e colaterais dos modos lentos e pausados (slowfood), dos conhecimentos de proximidade "emic" (por dentro). as dimensões sonoras (lo-fi) da natureza, dos animais, do sino, das vozes, do precioso silêncio da noite, enfim, das imaterialidades expandidas e sempre reinventadas. ao contrário, num extremo oposto, estão os modelos urbanos de muitas das metrópoles, vivem em demasia o individual, o narcisico presente anulado das continuidade históricas do passado, motores e combustões da máquina televisiva e dos seus desenhos expandidos e estilhaçados em programas de variedades quase imperialistas (a variedade é só aparente) agora multiplicados a escalas impensáveis, com suas próprias legiões de "profetas" do consumo emergente e reinante com formulas cada vez mais eficazes ("ganhe, marque, aponte, não custa nada, é fácil...."o pessoal lá em casa gosta") que se expandem como epidemias por todo o país, incluindo também neste interior "silêncioso". numa destas ocasiões observei como organizam e impõem estes modelos, exigindo e manifestando autoridade cultural, desenhando acção e texto, manuseando os saberes consoante os jeitos e os propósitos das modas e as formas do olhar, jogo e teatro televisivo. é a folclorização dos conhecimentos e das práticas, a saturação da repetição, a coisificação dos sujeitos meramente como objectos de promoção turística. daqui à mera vulgaridade é um passo, trazendo à posteriori o esquecimento dos elos fundamentais e identitários, justamente pela banalização das qualidades locais e regionais. os resultados podem ser catastróficos, pois o momento costuma ter uma duração efémera e mediática. finda a encenação da "telerealidade" tudo volta (ou não, por vezes tudo se altera) ao adormecimento das pautas quotidianas, pelo menos para a grande maioria. face a um consumismo extremo, tudo parece tão óbvio, tão artificial, tão plástico e ao mesmo tempo tão desnorteado. pois nestas grandes metrópoles deambula-se, não se sabe para onde ir e o que fazer, são os mecanismos do desperdício da criatividade, pautados unicamente pelas escalas mediáticas dos mesmos modelos televisivos consumistas. haja a coragem, o (super)deslumbre visionário de impor ao contrário as leituras e os olhares, exigir a esses modelos televisivos que respeitem as diferenças, temporalidades e as acções, os actores e as suas performances, os lugares e os silêncios, as vozes e as sonoridades próprias de cada lugar, as encenações e os gestos da espontaneidade, a ingenuidade da alegria e a verdadeira festa dos lugares, pois é a única forma de nos protegermos contra os mecanismos da devastação cultural, traduzidos pela homogeneidade plástica televisiva. mas também, reconhecer com lucidez que só assim é possível a experiência real da diversidade cultural.