domingo, dezembro 24, 2006

Um Conto de Natal



Conto de Natal


Tinha terminado a colheita da azeitona na aldeia. Estavas cansado e dorido dos longos dias a apanhar a azeitona ao frio e à chuva. Ali, de frente para o lume, pensavas, dobravas-te sobre os teus profundos pensamentos, enquanto lá fora a noite cobria as ruas com uma geada brilhante. Levantas-te e vais buscar um livro que tinhas começado a ler nos dias alaranjados de Outubro. Abris-te o livro na marca assinalada e deixas-te levar por aquelas veredas de palavras. O Lento estava sentado numa das esquinas da capela, apanhando um pouco de calor de um sol quase morto de um daqueles dias claros de Dezembro. Estava sozinho e por momentos esticou o pescoço e expôs a sua enrugada pele com oitenta e tal anos na mira de um vento gelado, que se dizia que vinha da serra. Naquele momento avistou uma pessoa bem vestida que vinha na sua direcção. Ajeitou o casaco, o chapéu e os velhos óculos. O Homem normal com roupas normais dirigiu-se a ele e fez-lhe algumas perguntas. Da porta entreaberta da taberna, o Figas espreitava os gestos que o Lento fazia ao homem desconhecido, seguia a direcção do seu dedo indicador e pôs-se a meditar cheio de curiosidade. Olha que a curiosidade matou um gato – resmungou o Vecente, dono da velha taberna. O Homem seguiu na direcção que o Lento tinha assinalado e o Figas continuou a sua curiosidade seguindo com um olhar carregado esse estranho. Como o sol já se tinha desviado da estranha esquadria daquele lugar, o Lento levantou-se e dirigiu-se à taberna no seu passo lento mas certo e decidido de um bagaço para aquecer. Encostado ao balcão e já com o bagaço aceso dentro de si, respondeu à curiosidade do Fisgas e do Vecente. Aquele Homem disse-me que vinha à procura de uma pessoa que já não via à muito tempo. Mas não sabia onde morava, disse-me que se chamava João e que morava aqui na aldeia. Disse-lhe que aqui havia cá muitos homens com esse nome, como não tinha mais nada, mandei-o à casa do João Sem Nada. Fizeste bem homem – responderam os dois homens da taberna. Do outro lado da aldeia ouviu-se umas pancadas leves numa velha porta de madeira. O João abriu a porta e depois de algumas explicações, mandou entrar o Homem e sentar-se numa velha cadeira baixa. Depois de algum silêncio o Homem começou a falar: João, eu sou alguém que já morreu, mas não te assustes, eu não te faço mal. Vim outra vez a este mundo para te dizer que vais morrer em breve, mas não te preocupes porque não vais sentir nada. Vais ter uma morte santa. O joão ficou pálido, gelido, as suas mãos começaram a tremer repentinamente. Apenas soluçou algumas breves palavras: e não passo cá o Natal? Não – respondeu num tom baixo mas preciso o Homem. Levantou-se, tocou-lhe nos ombros e disse-lhe: não te preocupes com maisnada, vive o que te resta e saiu pela mesma velha porta. O João levantou-se de imediato na tentativa de seguir o misterioso Homem que lhe tinha comunicado a sua morte, mas este já se tinha esfumado na fria escuridão das solitárias ruas da aldeia. Ficou ali junto à velha porta pálido e sem saber o que fazer. Tornou a entrar e ficou ali a olhar para o vazio e a pensar na sua morte. (Caros leitores o que fariam no lugar do João Sem Nada?) Foi a pergunta que ele fez a todos os presentes na taberna do Vecente. O velho Cabrero que estava sentado de perna cruzada, levantou-se com alguma dificuldade e disse-lhe: eu não sei muito dessas coisas, mas enquanto andei no campo vi muita coisa estranha. Daquilo que eu sei só te posso dizer uma coisa, nós com esta vida só cá viemos a buscar a roupa para a cova, mais nada!
O livro estava caído, o lume ainda se mantinha aceso, era véspera de Natal e tinhas sonhado. Abris-te a porta e nesse preciso instante passou a Ti Bem Vinda: Oh João, anda ai um Homem à tua procura!


Um Santo Natal a todos os andarilhos deste lugar virtual...

3 comentários:

Anónimo disse...

No Minho temos um ditado popular que diz que «maior é o ano que o mês», por isso desejo a maior felicidade para o ano 2007.

eddy disse...

Bem hajas Jofre e um bom ano 2007 também para si...

eddy disse...
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