segunda-feira, maio 25, 2009

AS CICRATIZES DOS OBJECTOS



pá de limpar os cereais ao vento, concelho de Idanha-a-Nova, colecção CCR.

fascina-me este diálogo com os objectos. eles têm sempre algo para nos dizer, mesmo aqueles que cairam no mais completo dos esquecimentos. todos interessam para conhecer melhor uma sociedade. tal como ernesto veiga de oliveira no seu trabalho "apontamentos sobre museologia" alertava:

"armas, esculturas, etc - exercem sempre grande fascinação sobre o colector, e beneficiam muitas vezes de uma especial preferência; e o mesmo sucede com todos os objectos atraentes, ricos ou raros, desprezando-se os vulgares, simples e de uso diário. esses critérios são evidentemente errados, e há que recusar quaiquer preconceitos dessa natureza. todos os objectos de uma cultura têm interesse para o conhecimento dessa cultura" (1971, p. 47).

o que é necessário e urgente é "escutar" os objectos, ouvir o que eles têm para nos dizer. todos os objectos congregam biografias: onde foram comprados? quanto tempo serviram? foram concertados, trocados, vendidos, deitados para o lixo, recuperados, reciclados? em torno deles constitui-se um amplo e fecundo campo de investigação. veja-se por exemplo o caso destes "objectos com cicratizes" e os seus universos de fascínio e de interesse: quem os consertou, quando, como, porquê? eles remetem para uma sociedade rural intimamente dependente destes (re)aproveitamentos, longe destes tempos actuais, prolixos num consumo desenfreado. estes objectos remetem-nos para esses mestres dos arranjos e do improviso. esses "feitiçeiros" abonados de um dom: tornar o velho em novo. eles também problematizam o seu lugar no museu. contrariando todas as lógicas dos objectos de valor. 

regressarei em breve a esta fascinante dimensão, pois representa para mim um dos mais cativantes universos de estudo.


notas bibliográficas

- veiga de oliveira, ernesto (1971) Apontamentos sobre museologia. museus etnológicos: lições dadas no museu de etnologia do ultramar. lisboa: junta de investigações do ultramar, centro de estudos de antropologia cultural.

1 comentário:

a d´almeida nunes disse...

Tenho uma vaga ideia de quando era garoto de 6, 7 anos. A eira, os cereais, feijão, cevada, ainda com rama seca. O mangual retiraca as sementes da casca.
Depois de juntas a sementes e de separada a palha, procedia-se à purificação das sementes, lançando-as com uma pá (devia ser deste género) par que o vento levasse as impurezas, pó e outras.
Ficava-se comn os grãos limpos.
E seguia-se o moinho. E assim sucessivamente, até servirem para nos saciar a fome.
Recordações longínquas. Beira Alta.
Perto de Viseu.
Um abraço amigo
António