terça-feira, julho 11, 2006

ESPANTOS

Comecei por provocar a descendência dos passos dentro dos dias, depois transcrevi  o que pensava que restava da arcaica essência das noites para as folhas de papel gastas de fundos bolsos vazios. Com os lábios secos de eloquentes cansaços  selei todas as conversas. Algo ia e vinha, não era o sonho, não era a loucura, era um espaço mágico- vazio à espera de super-palavras, era o cheiro do vinho dentro de uma taberna à muito fechada. Ao sentir uma quebra, perdia, perdia o momento, perdia muitas palavras soltas, que me faziam lembrar missangas que rebolavam para baixo da minha cama e ai ficavam esquecidas, até ao dia em que fiz por encontra-las, mas já não tinham qualquer significado, eram insignificâncias, insignificâncias assassinadas por mim. Perder é um acto sem cobardia, porque a própria palavra é uma ferida.
Belisco-me, para poder escrever, trepo às árvores, às flores, aos montes, aos beirais onde as andorinhas adormecem, às torres onde os sinos não enferrujam nem as cegonhas se incomodam. Persigo-me nos caminhos por onde já passei, provo o mesmo pó, as pessoas acenam-me sem me reconhecerem. as letras, as palavras, as frases que eu procuro, alguém as viu?
Não, claro que não. Tudo o que procuro ninguém viu, nem mesmo aquelas conversas que ficaram nas paredes do coração. Letras que eu mostro e pergunto: reconhecem-nas? O pó reconhecem, porque é a ausência envelhecida, mas essas palavras não, o caminho até elas emudeceu e agora são como emaranhados novelos de silvas , com boas amoras, com espinhos que fazem por lembrar sangues atrevidos.
São palavras e mais palavras, conversas e mais conversas que eu procuro, Antígonas, Cassiopeias, Pandoras... Vigiai-me para que não enlouqueça, para que não meça as distâncias entre os olhos da alma e os olhos da carne.
Outrora as figueiras ardiam, hoje vejo como estão esverdeadas, preparando o fruto na orbita onde ferve o leitoso suco, assim como eu, na orbita das veias preparo todas as efervescências, preparo o fogo, para que o fruto arda, amareleça o papel, molhe as pontas dos dedos, vicie as pálpebras e dilate as distancias, para que as lentes se ajustem e não tenham receio de perder estas palavras. onde estão as minhas palavras? Alguém as viu, enquanto adormeci?

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