Alminha de uma casa particular em Manteigas.
Proximo dos velhos caminhos, estradas, ruas, avenidas, veredas, etc., encontram-se com bastante frequência pequenos nichos, ora escavados em granitos, ora em retábulos de madeira, ora em azulejos, onde no geral se representa o purgatório. Chamam-lhe "alminhas", "nichos das almas" ou simplesmente "almas". Estão relacionadas com a crença do Purgatório, onde todas as almas têm que passar para serem purgadas com fogo dos pecados ditos veniais, ou seja, os pecados mais leves. Podendo ser abreviadas através dos sufrágios dos vivos, daí encontrar-se em alguns um pequeno cofre para esmolas e dito associado: Oh vós que ides passando, lembrai-vos de nós que estamos penando, rezai um Pai-Nosso e uma Avé-Maria pelas almas que sofrem no Purgatório."
A crença neste ardente lugar está profundamente ligada ao II concilio de Leão (1124), onde se afirmou dogmáticamente a existência do Purgatório. À cerca das suas origens alguns ligam-nos aos altares Romanos dedicados aos Lares Viales e aos Lares Compitales, erigidos junto aos caminhos e nas encruzilhadas. Vergílio Correia chegou mesmo a chamar às alminhas as "descendentes directas" daqueles altares, isto pelo facto dos dois altares estarem localizados em sitios idênticos. Mas depressa se refutaram todas as teorias relacionadas com os altares Romanos. Uma vez que estes altares simbolizavam génios agricolas, protectores dos campos, das culturas e dos trabalhos rurais. Em seu louvor se costumava erigir altares nos sítios em que duas ou mais propriedades se interceptavam, para que a protecção divina pudesse estender-se a todas simultaneamente. assim, como o lugar do encontro de várias propriedades fica quase sempre numa encruzilhada de caminhos, apareceram os deuses Lares Compitales - "génios das encruzilhadas". Quanto aos Lares Viales, estes apareceram como protectores dos viajantes, pois começaram a ser erigidos nas margens dos caminhos. De génios agrários, os Lares transformaram-se em divindades que defendem os homens do perigo dos caminhos e das encruzilhadas. Outros povos houve que também pediram ajuda a protectores dos caminhos e encruzilhadas, entre eles os gregos que colocavam nos caminhos capelas sob a invocação de Apolo.
Contudo, a igreja dos primeiros séculos preocupou-se em adaptar as antigas crenças ao cristianismo, daí o facto de assimilar muitos monumentos levantados pelos pagãos nos caminhos e encruzilhadas. Dessa morosa substituição, diz Flávio Gonçalves "devem ter nascido as cruzes de madeira e cruzeiros de pedra que naqueles mesmos lugares se observam por toda a Europa ocidental e central - e que em Portugal também apareceram muito antes das alminhas. O simbolo da fé de Cristo ficou a ocupar o lugar dos altares do paganismo". Segundo o mesmo autor, todos estes cruzeiros são de facto muito mais antigos que as alminhas, pois vieram substituir claramente os Lares, daí terem sido colocados em locais idênticos e com a mesma função. Quanto às alminhas, pois não têm qualquer ligação directa com o culto praticado entre os latinos, embora haja alguma semelhança entre a localização dos monumentos. Mas os altares dedicados aos Lares tinham como intenção a protecção dos campos e dos viajantes, enquanto que as alminhas apenas pedem a oração dos que por elas passam, em favor das almas do Purgatório.
Muito havia ainda por dizer, por exemplo, sobre a simbologia da encruzilhada, sobre o lendário popular em torno das almas penadas, sobre os prantos que lhes cantam nas escuras noites da Quaresma e que tão bem estudou Margot Dias (encomendação das almas), sobre a simbologia do próprio retábulo, sobre o culto actual, etc...
Referências bibliográficas:
Chambino, Eddy (2002), O culto das almas expresso na religião popular: uma viagem pelas crenças e supertições em torno das almas", Lisboa, FCSH-UNL,Tese de licenciatura.
Correia, Virgilío (1937), Etnografia artística.
Gonçalves, Flávio (1959), Os Paineis do Purgatório e as Origens das "Alminhas" Populares, Matosinhos.