por todo o concelho apenas em idanha-a-velha têm lugar esta singular manifestação pertencente a essa categoria de "testamentos" jocosos publicos. existem referências que consideram a "velha" a personificação do inverno (leite vasconcelos; teófilo braga) que seria exorcizado nesta altura do ano (inicio da primavera). outros, em alusão ao imaginário medieval cristão, vêem nesta "velha" a própria representação da "quaresma" e como acontece exactamente no meio deste mesmo periodo de jejuns e recolhimento, seria talvez uma forma para amenizar este austero periodo, daí, serra-se a velha ao meio. em idanha-a-velha, na quarta-feira que medeia o periodo da quaresma, um pequeno grupo misto, teima em fazer-se ouvir, à meia-noite, junto à porta das "velhas" e dos "velhos" (avós e avôs). referem que noutros tempos era feito pela rapaziada solteira, hoje, face às mudanças estruturais fruto dos tempos, restam muito poucos jovens na aldeia e a solução é recorrer aos que nela residem e que estão dispostos a partcipar (homens e mulheres casados).
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quarta-feira (30 março), é meia-noite, o grupo misto reuniu-se no café, munido de chocalhos, uma vuvuzela e inicia o percurso dando a volta pela porta norte da aldeia. junto às primeiras casas que se encontram nesta direcção, param e o Sr. Carlos (lider do grupo) recorre à sua imaginação para entoar a primeira quadra da noite. finalizada, o grupo responde com o barulho infernal das chocalhadas e risos, daqui seguem para a casa seguinte. em algumas casas recebem dos moradores dádivas (chouriço, dinheiro, bebidas), a prática termina no mesmo ponto onde o grupo se reuniu para aqui comerem estas mesmas oferendas. registamos este importante repertório rico em criatividade espontanea, produto da criação pessoal onde a voz do povo se revela com o seu humor e a sua critica satirizada.
2 comentários:
Caro Eddy
o que assistiu foi a uma manifestação de carnaval e não à serração das velhas. A serração das velhas está completamente descaracterizada e nunca foi assim. Os instrumentos de serração nenhum esteve presente. Nem chocalhos, quanto mais vuvuzelas... Isto´é uma tradição tipo azeite galo, inventa-se e reinventa-se a tradição. Um dia pomos a conversa em dia relativamente a esta tradição. Abraço
Joaquim
Amigo joaquim, essas alterações em torno "de como era e já não é", explica e confere exactamente essa dimensão inventiva que caracteriza e dá corpo às tradições (retradicionalização). ao contrário do que muitos pensam, as sociedades não são estáticas, reinventam-se para prosseguirem o seu curso na História. em realação ao concreto da discussão, estamos perante uma conjuntura bastante complexa, pois temos que avaliar o impacto das profundas alterações no espaço rural e todas as suas mudanças em relação "ao que era e deixou de ser" (passado e presente) para assim podermos avaliar com mais rigor os reflexos das mudanças. a ausência de elementos que eram supostos estar e já não estão e a introdução de novos reforçam essa mesma dimensão de (re)invenção, no fundo, faço-te esta pertinente pergunta: existe alguma tradição que não tenha sido (re)inventada?
no fundo, o que valoriza estas manifestações culturais é exactamente essa capacidade criativa e espontanea com todos esses novos elementos, fruto de multiplas e variadas vozes que habitam um território e a partir dele produzem sentido. aliás, a discussão perde todo o sentido se for direccionada unicamente para as questões das "essênciais e das origens", pois estas não existem, são ficções.
joaquim, como vês, esta discussão daria pano para mangas. fica combinado para um destes dias primaveris, essa conversa-tertúlia.
*sobre estas e outras questões recomendo-te a preciosa obra de David Lowenthal "The past is a foreign country".
Abraço
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