enterro da sardinha, rosmaninhal, 2011.
aconteceu na presente quarta-feira de cinzas (9 de março de 2011) no Rosmaninhal, esta extraordinária prática que finda as manifestações de carnaval e que pautam o calendário cerimonial anual desta mesma região. insere-se nessa ampla categoria de enterros e julgamentos/testamentos jocosos que assinalam (ou assinalavam) este mesmo periodo pela extensa maioria das populações do interior do país. no fundo, qualifica-se como uma paródia/performance do ritual religioso dos enterros. as suas personagens principais são: o padre, o sacristão e restantes acompanhantes enlutados. consiste em percorrer, em plena gritaria, ao som de chocalhos/campainhas, as casas da aldeia, acompanhados de uma urna ficticia com um suposto "morto" (boneco de trapos) no interior, rigorosamente vestido e efectuar junto de cada casa um peditório recorrendo a um conjunto de quadras de conteúdo parodiante. cabe ao "padre" efectuar a leitura do referido texto:
o "padre" (através de um megafone)
- Linda donzela vinde à janela
trazei o chouriço
deixai a morcela
(gritos do grupo) óoo cão
Debaixo da ponte
peixe havia
o mijo era quente
a merda era fria
(gritos do grupo) óoo cão
É de requi'eterno
é de patas para o ar
tu que estás no esterco
deixa-te lá estar
(gritos do grupo) óoo cão
Dás coiçes a quem passa
a mim não mos dás
que eu não passo lá
(gritos do grupo) óoo cão
Para quem são os chouriços?
(o grupo responde) para os padres e para os bispos
Para quem são as farinheiras?
(o grupo responde) para as raparigas solteiras
E para quem é a moedinha (nota, chouriço) que a... nos vai dar?
(o grupo responde) para nós!!!
agradecem e prosseguem o percurso em ambiente de completa animação e folia. outrora, segundo a memória colectiva local, era costume o "sacristão" transportar um balde cheio de urina e nas casas onde lhes era negada a dádiva, o "padre" molhava uma vassoura velha neste balde e borrifava a respectiva casa. hoje, quando esta situação se repete, ainda se ouvem comentários: "mija na porta". importa ainda salientar que este grupo formado, fundamentalmente, por rapazes e raparigas (juventude da aldeia), no final da prática, reunem-se num café local para comerem (uma especie de refeição-ritual) os respectivos enchidos e restantes dádivas.
atendendo ao actual quadro politico de valorizações nacionais e internacionais em torno do património cultural imaterial, estas e outras manifestações locais (vaca galhana - toulões; enterro do entrudo-ladoeiro) merecem ser divulgadas, apoiadas e perservadas, pois representam esse entrudo, espelho de fecundas recriações, espontaneidades e reinvenções da vida em sociedade, que ainda teimam em pautar o calendário festivo anual da região.
*brevemente colocarei um pequeno filme para se poder sentir e perceber todo esse riquissimo ambiente de folia e espontaneidade que se viveu nessa noite.
2 comentários:
Kamarada: não concordo muito com a classificação de refeição "ritual".
de resto, excelente.
abraço
pedro salvado
Amigo Pedro, talvez tenhas razão em relação à expressão "refeição-ritual", porém, existem elementos que dão corpo a este acto (final) que estão muito proximos.
Abraço
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